Entrou pela porta do meio, passou por alguns bancos vazios e sentou no primeiro degrau da porta de trás. Nas mãos, um saco preto, daqueles usados nas lixeiras. Mas segurava firme, entre as pernas dobradas no degrau mais abaixo. Parecia levar naquele saco tudo o que possuía. No rosto, a barba por fazer e os lábios fechados; cerrados.
“But my words like silent raindrops fell”, diz o verso da canção The Sound Of Silence, do Paul Simon, gravada pela dupla Simon & Garfunkell, lá pelos meados de 1966. Ela me veio a lembrança, enquanto olhava aquele homem sentado no degrau. Na tradução literal: “Mas minhas palavras como silenciosas gotas de chuva caem”.
O silêncio dele abafava as conversas, os ruídos dos passos e o barulho dos motores dos ônibus no terminal. Vertia por entre os lábios fechados e, sobretudo, pelos olhos. Não tinham, os olhos, nenhum brilho mais forte, ou especial. Mas, ainda que abertos, não viam. Antes, mostravam uma alma que ainda não havia chegado, ou (quem sabe?) já estivesse mais longe. Nem percebeu quem por ele passou para entrar e ocupar um dos lugares ainda vago. Nos olhos, o silêncio que parecia cantar “In restless dreams I walked alone Narrow streets of cobblestone” (“Em sonhos agitados eu caminhei sozinho. Ruas estreitas pavimentadas”).
O motorista deu início a mais uma viagem. As portas se fecharam e o homem, sentado no degrau sumiu, engolido pelo ônibus que seguiu pelo corredor do terminal. O que me restou foi o final da música: “But my words like silent raindrops fell And echoed in the wells of silence”. “Mas minhas palavras caíram como gotas silenciosas de chuva E ecoaram nos poços do silêncio”.
Estava olhando para o chão molhado pelo aguaceiro da madrugada que refletia a chegada do “meu” ônibus. Segui em silêncio, entre curvas e paradas. “QUE A VIDA É TREM-BALA, PARCEIRO E A GENTE É SÓ PASSAGEIRO PRESTES A PARTIR!!!” Olhei pro lado, assustado. E vi, a garota segurando um celular; fazendo coro ao que, pelos fones, lhe entrava nos ouvidos; a música Trem Bala, da Ana Vilela. Percebeu meu susto, puxou a corda da campainha e, antes de ir até a porta para descer, disse com um sorriso maroto: “ - "Desculpa Tio. Bom Dia”. E, antes de puxar a mesma cordinha para descer, pensei: Bom Dia.