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"Polvadeira Iluminada", nova crônica do jornalista Léo Borba



Telhas recurvas cobriam o enorme barracão erguido no limite do gramado e do pomar. Paredes de tábuas grossas e sem pintura, já enegrecidas pelos ventos e pelos anos.

No limiar da grande porta de duas folhas, ele observa o interior do engenho. Os grossos caibros, formatados a facão, onde pendiam delicadas teias. Salpicadas por alvas partículas. Rendas tecidas nos bilros das safras.

Com os olhos acostumados a meia claridade, confere os cochos talhados em troncos; ao lado deles, os bancos baixos. Espanou o vidro do quadro para acordar a imagem que adormecia na parede ao lado da porta. “A sua benção”, murmurou ele ao casal que sorria em preto em branco. De vassoura em punho, caminhou por entre os cochos, o ralador e a prensa.


Por numa das janelas, entrava o sol da manhã. –Agora, sim!

-Disse a si mesmo, observando o vento de inverno levar a poeira que encobria as lembranças. Guardou a vassoura e sentou-se no banquinho de madeira ao lado da foto. Ouviu o canto da carruíra, aninhada entre os caibros e as telhas.


Olhou para o engenho e relembrou os sons e movimentos. O descascar da mandioca, o ruído do ralador. -Sempre gostei dos tempos de farinhada – disse ele ao casal da foto. Nunca se esquecera do engenho cheio de gente. Famílias de parentes e de vizinhos que traziam, além da colheita para o engenho, as cantorias e as histórias.

Na algaravia das conversas, anúncio de noivado, notícias de gravidez, estripulias e aventuras.


Resenhas da vida no ritmo das rodas dentadas. Histórias que ouvia do avô durante o café da manhã com roscas de polvilho, recém-tiradas do forno de barro; nos almoços com peixe, pirão e temperos da vó. -Desculpem. Este ano não foi possível. – Justificou ele ao casal da foto.


Herdara dos avós o engenho e prometera continuar com a tradição da farinhada. -Esta peste não deixou ninguém se arriscar. Mas, com certeza, no ano que vem tudo isto volta a funcionar. –Explicou, como quem termina uma oração. Fechou as janelas, a porta de duas folhas e saiu. Lá dentro, ficou o casal,sorrindo em preto e branco, e a lembrança da polvadeira de farinha, iluminada pelo sol da manhã de inverno.


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